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Cronologia

De onde vieram os cavalos a que chamamos Garranos? Que segredos escondem quando nos desafiam do alto das serranias?

  1. Na Pré-História, durante o Paleolítico, a vida na terra foi profundamente alterada pelo arrefecimento que provocou a ocorrência de glaciações e com estas, a migração de várias espécies. Assim, tal como as renas, alguns equinos rumaram ao Norte. Outros encaminharam-se para sul em busca de clima mais benigno.
    Na Península Ibérica um grupo de equinos instalou-se no Norte e deste núcleo descenderia o Garrano, com estatuto de cavalo autóctone desde o Paleolítico Médio.
    Bem-adaptado ao seu novo habitat, o Garrano não voltou a partir.
  2. O caçador nómada deu lugar ao produtor sedentário e o cavalo, domesticado, passou de alvo ao melhor aliado do Homem. A arte rupestre do Paleolítico Superior (Foz Côa, Mazouco) é um eloquente testemunho da presença de cavalos pouco corpulentos e de extremidades curtas, pelagem grossa e perfil de cabeça reto ou côncavo, num retrato fiel dos Garranos dos nossos dias.
  3. Na Idade do Ferro (I milénio a.C.), os cavalos pequenos e resistentes introduzidos pelos Celtas terão influenciado as populações nativas, evoluindo para cavalos de pequena estatura, com perfil da cabeça reto ou côncavo, característico das regiões montanhosas frias e húmidas. A influência céltica na origem do Garrano é reforçada pela designação do cavalo de pequeno alçado se ter internacionalizado com a designação “pónei”, enquanto que em Portugal manteve-se a mesma raiz etimológica que originou “gearron” (gaélico) e “garron” (escocês).
  4. Remontam aos romanos as primeiras referências escritas aos pequenos cavalos celtas da Península. Descreveram-nos como Asturcones (o atual Asturcon, das Astúrias), Gallaeci (o atual Pura Raça Galega) e Tieldões (o nosso Garrano). Consideravam-nos bons cavalos de montanha e utilizavam-nos como cavalo de tração e transporte, nas viagens e nos serviços de correio, bem-adaptados aos caminhos de montanha.
  5. Na Idade Média aparecem várias referências aos Garranos nas leis portuguesas e o seu comércio manteve-se ativo entre a Península, Irlanda e Inglaterra.
    Têm um importante papel no repovoamento e fixação da população em território Português, constituindo, desde então, um elemento distintivo da nossa identidade nacional.
  6. Integrando grupos de cavalos que os colonizadores levaram para a América, coube também ao Garrano participar na colonização do Novo Mundo. Pequeno, mas robusto, revelou ter o tipo ideal para a tração e o trabalho agrícola. No México terá originado o atual cavalo Galiceño, que exibe traços da rusticidade e os andamentos cómodos dos seus antecessores. No Brasil o Marchador é uma das raças com origem nos garranos.
  7. A rusticidade, frugalidade e longevidade, associadas à energia, vivacidade e resistência, tornaram o Garrano a montada ideal para os almocreves no Minho, durante a Idade Média e até meados do século XX. Os Búrios, habitantes de Terras de Bouro, trouxeram o Garrano para esta região montanhosa, como a forma mais adequada de transporte pessoal e também de carga de secos e líquidos. Ruy d’Andrade (1930) diz:” são rijos, aturam longas jornadas e podem com muito peso. Pequenos cavalos de 1,20m transportam cavaleiros e fardos de mais de 100kg, sem sinal de fadiga, por longos caminhos de serra, fazendo frequentes jornadas de 50 e mais quilómetros”.
    • Correeiros e ferradores prosperaram graças ao Garrano, com presença habitual em feiras como a Feira dos Vinte em Prado, Feira da Ladra em Vieira do Minho, Feira dos Santos em Pico de Regalados e Feiras Novas em Ponte de Lima.
    • Os correeiros montavam tendas para expôr e vender arreios e adereços para gado cavalar. Os ferradores tratavam os cascos dos cavalos em espaços cobertos ou oficinas itinerantes sob árvores. Os artesãos da aldeia fabricavam arreios, retrancas, albardas, cilhas e cordas para transporte de carga a dorso, usando técnicas tradicionais.
    • O Garrano auxiliava na lavoura, transporte de lenha, mato, estrume, grãos, farinha, ovos e frangos, além de atender a recados urgentes e participar de festas na aldeia. Essencial na economia doméstica, era um verdadeiro ajudante multifuncional.
  8. Na primeira metade do século XX, os criadores de Garranos continuam a ser “gente pobre, que vive em regiões montanhosas, sem estradas e que necessita de fazer transporte a dorso” (Ruy d’ Andrade, 1938). A mecanização da agricultura, o aparecimento do automóvel e da motorizada iriam contribuir para o desinteresse por estes animais como auxiliares da lavoura tradicional.
  9. Votado ao abandono, o Garrano regressa à montanha onde faz apelo às suas raízes mais remotas. Ameaçado, sobrevive. Com a colaboração de criadores e técnicos, o Estado reconhece nesta população animal criada em liberdade um valor singular e, em 1993, é criado o Registo Zootécnico/ Livro Genealógico da Raça Garrana, com o objetivo da sua preservação quantitativa e qualitativa.
  10. Dispensados dos trabalhos agrícolas, os Garranos incorporaram-se aos grupos serranos, recriando os padrões de comportamento e de organização social dos antepassados selvagens e vivendo ao sabor da seleção natural. Assim, à exceção de alguns animais estabulados para apoio à lavoura tradicional, a maioria dos criadores mantém os Garranos nas serras onde são criados em regime livre, reunindo os animais uma vez por ano para separação dos poldros e posterior venda.